Do internacionalismo bipolar ao novo mundo tripolar

Opinião de Daniel Neves

Até ao desmoronamento da antiga União Soviética (URSS), e desde o fim da 2ª Guerra Mundial o sistema internacional girava em torno de duas superpotências, naquilo que se convencionava denominar de um mundo ou sistema bipolardominado pelos EUA, como líder do Mundo Ocidental e da OTAN/NATO, e da União Soviética, assumidamente o farol do Mundo Socialista e da Organização do Tratado de Varsóvia (OTV ou comumente, Pacto de Varsóvia).

Havia um grupo de
Não-Alinhados, liderado pela Jugoslávia e pela China, mas que, na prática,
estavam adstritos ao Mundo socialista.

Depois da derrocada da
URSS- e por extensão, do Pacto de Varsóvia –, o sistema internacional ficou sob
a “umbrella” dos EUA e da NATO com
alguns dos Estados que saíram da antiga URSS a aderirem a esta organização
político-militar e a adoptarem o multipartidarismo e o sistema capitalista.
Entrávamos num sistema internacional onde predominada o sistema unipolar, ou unipolarismo.

Como o sistema
internacional não é um organismo inerte, bem pelo contrário, ao longo dos anos,
registaram-se desenvolvimentos que, sem tirar a força e liderança do sistema
aos EUA, foi minorando um pouco essa tendência; e com a entrada de novos
actores políticos e diplomáticos, como o fortalecimento – algo que nunca perece
ter sustentado – da União Europeia, o aparecimento de inúmeras ONG e, com
particular destaque, a cada vez maior importância da China na cena
internacional e uma progressiva recuperação de alguma força política e negocial
da Rússia, o unipolarismo deu lugar a uma globalização do sistema
internacional.

Durante uns anos –
apesar de tudo, ainda se mantém – andamos a viver sob a capa de uma pretensa
tutela política, diplomática e militar dos EUA e da NATO, quando, na realidade,
essa tutela é mais consentida que, muitas vezes, desejada, para controlo dos
gastos com a defesa de algumas zonas geográficas – as exigências o senhor Trump
para que, principalmente, a Europa comparticipe mais para a sua defesa sem que
os EUA continuem a ter de despender dinheiro que, no seu entender, pode
permitir um maior desenvolvimento dos EUA, é um dos casos mais paradigmáticos.

Na realidade vivemos
sob a “umbrella” de uma globalização em que o Mundo e a cena
internacional (sobre)vivem da e na defesa de mútuos e calculistas vantagens.
Uma verdadeira diplomacia do dinheiro, das finanças, da sobrevivência, do
interesse.

Só que a progressiva
afirmação da China no concerto das Nações, a sua ponderada e afirmada
penetração em zonas, outrora disputadas pelas antigas superpotências, a menosprezação pelos EUA por alguma certa
comunidade internacional – actualmente estamos num período em que a política
norte-americana é mais virada para si que para a cena internacional – e a tal «
progressiva recuperação de alguma força política e negocial da Rússia» tem
mostrado que a globalização é mais uma alegoria aceitada que sustentada.

Por exemplo, no caso
africano, sem que os EUA e a Rússia se “apercebessem” – outros interesses
político-militares se sobrepunham, como o Médio Oriente ou o Estado Islâmico,
no caso dos EUA, ou a “recuperação” política da tutela de algumas repúblicas da
antiga URSS, e a Síria, no caso da Rússia –, a China começou a “tomar conta” da
política africana com pequenos financiamentos, muitos empréstimos, e uma
“solidariedade” política com os poderes instituídos onde a mútua dispensa de
“perguntas políticas” e a acentua não-interferência nos poderes de ambos –
China e países africanos – quase tornou o continente africano num plataforma da
China para o resto do Mundo, como adiante descreverei.

De facto, a conjugação
destes três factores – a menosprezação
pelos EUA, a progressiva e sustentada recuperação político-diplomática da
Rússia e a afirmação segura da China na cena internacional –, aliados ao cada
vez mais progressiva atitude da Europa em se fechar nos seus próprios problemas
políticos – o crescimento acentuado do populismo e nacionalismo – e sociais – o
não saber como lidar com a migração clandestina e de sobrevivência –, pode
estar a levar-nos para a existência de uma nova polaridade, de um novo sistema
político: o sistema tripolar!

Temos, ou mantemos os
EUA como a principal superpotência, mas onde a Rússia e a China caminham, com
passos firmes e claros para se juntarem aos norte-americanos como
superpotências.

A posição da Rússia na
questão ucraniana e, subsequentemente, nos mares que bordejam as duas
repúblicas, bem como a aproximação do principal aliado e Estado-membro NATO, a
Turquia, colocando alguns problemas aos restantes aliados, quer na Europa,
quer, também, onde a Rússia tem mantido um papel importante, no problema da
Síria, a afirmação russa no problema venezuelano – uma nova crise como a de
Cuba, não está posta de parte, até porque também tem o apoio, nada
desinteressado, da China – e a retoma da venda de material de guerra a antigos
aliados fora do contexto europeu – a possível fábrica de equipamento militar em
Angola (de que tipo?, não se sabe bem) ou a venda de aviões caça Sukoy (ou Sukhoi),
de nova geração, às FAA, são sinónimo disso –, ou, mais recentemente, a
disponibilidade dos russos em apoiarem a República Popular e Democrática da
Coreia (Coreia do Norte) na questão da desnuclearização e das relações com
Washington, tornam Moscovo numa plataforma político-diplomática não
desprezível.

Finalmente a China,
levando por diante aquilo a que denomino e já teorizei, de “Teoria do Mahjong”, ou seja o eu
expansionismo político, económico e militar, quer no Mar da China – ou das
Filipinas –, ou na península coreana – o sustentado apoio às políticas
bélico-propagandísticas de Pyongyang –, bem como a tentativa de penetrar no Hinterland de África– ou no seu Heartland– através do domínio do Rimland africano tornam Beijing como o principal local de
peregrinação de todos os políticos mundiais.

Recordemos
como a penetração em África começou, não pelo rimland, ou litoral, mas pelo hinterland,
ou seja, pela construção – e isto hoje se torna importante – do
caminho-de-ferro entre Lusaka (Zâmbia) a Dar-es-Salam (Tanzânia), a “TanZam Railway”, entre 1970 e 1975. Com
o fim da URSS e a necessidade de alguns países se auto-financiarem, que não
pela via do FMI – a estratégia das “virtudes políticas” não e coadunavam com a
políticas internas desses países – conduziram a ter na China o seu principal, e
em muitos casos, único, financiador ou suporte político-diplomático: a sua
potência global. Angola, foi – e ainda o é pela sua enorme dependência
financeira – um desses casos.

Actualmente,
e apesar dos EUA estarem a tentar reverter a situação de menosprezo pelo
continente africano, através do apoio político-diplomático – pouco – e militar
e social – muito – da US-Africom, ou da Rússia, com a venda de material de
guerra, a China é a principal potência no continente africano.

A sua
capacidade financeira e o seu enorme apetite em modernização, seja na
electrónica, na tecnologia digital, ou na construção auto, aérea e naval – o
recente desfile da frota naval chinês, demonstrou isso mesmo –  aliados à sua forte política diplomática, mostram
que a China, mesmo nunca o assumindo, já não é só uma grande potência, mas uma
superpotência com efectiva projecção global.

Isto
mais se tornou evidente, em particular, com o actual presidente Xi Jinping, onde
a nova “Rota da Seda” – a Beltand Road(ou Cinturão da
Rota da Seda ou Rota) – mostram que a China está absolutamente virada para os
problemas e para as questões externas. Inicialmente a Rota da Seda estava
virada para o Rimland asiático; posteriormente, estendeu-se para a Europa, quer por
via terrestre, através de Moscovo, quer por via marítima, com passagem pelos
portos de Mombaça (Quénia), Djibuti – onde têm uma plataforma logística
portuária – e pelo Egipto.

Recentes informações de
Beijing mostram que a China decidiu ser altura de se afirmar em todo o
continente africano – no Heartland – dominando o que considera como Rimland
principal de África Austral: usar os portos de Moçambique – provavelmente Beira
– de Angola – quase de certeza o do Lobito, mais que o de Luanda, por enquanto
– e, para quem não estiver atento à políticas chinesas, espantar-se-á, de São
Tomé e Príncipe (STP), dado que estes não têm um porto que acolha navios de
grande calado.

E porquê são estes três
portos os mais importantes do sul de África? O da Beira, porque através da Linha de
Machipanda
, liga o Índico ao interior
de África, via Zimbabwe; o do Lobito, porque com o CFB, atravessa Angola e tem
ligação ao Congo Democrático e à Zâmbia. Ora estas duas ligações ferroviárias,
acabam por se interligar ao sistema ferroviário que atravessa quase todo o
continente entre a RDC e África do Sul, dominando, assim, toda uma região
geográfica onde predominam muitos dos principais minérios usados nas novas
tecnologias. 

E como
Mackinder
afirmava, quem dominar o Heartland domina o Mundo, ora, neste aso, quem dominar
as principais matérias-primas para as novas tecnologias, domina o mundo digital
e tecnológico.

Já STP
significa que a China está disposta a construir um porto nesta república lusófona
e dominar uma rota marítima importante no Atlântico Sul. E quem dominar esta
rota, domina todo o eco-sistema geopolítico e geoestratégico do Golfo da Guiné
e as ligações marítimas para a Europa e todo o continente americano, colocando
estes numa completa subalternização à China.

Daí
que a presença russa e chinesa na Venezuela não seja só por apoio político a
Maduro, mas visando, provavelmente, tornar “o corredor” geopolítico e
geoestratégico Venezuela-STP um estrangulamento às políticas económicas e
diplomáticas do Ocidente. A Rússia, para ter um porto de águas quentes na sua
projecção global. A China, porque a Rota da Seda também poderá – terá – de
passar pela América Latina.

A
ignorância – não poucas vezes – e a displicência político-diplomática de
Washington, e, em particular, da administração Trump, e a caminhada firme e
sustentada do expansionismo político, financeiro, militar e diplomático
sino-russo – mais de Beijing que de Moscovo –, leva-nos a qu concluamos que,
ainda que poucos o admitam ou reconheçam, que estamos num novo mundo
geopolítico: o sistema tripolar.

*Investigador do Centro
de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para
Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho
Neto**

** Todos os textos por
mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou
agregado

Fonte: vivência press news

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