O PROBLEMA DE CABINDA

CABINDA

 por @mbembubuala

Fevereiro 25, 2019

Fonte: Jornal i

Opinião de António Rodrigues

Dois livros recém-publicados tentam mostrar à opinião pública internacional que aquele pequeno território encravado entre os Congos está longe de pacificado e merece muito mais atenção.

Sempre estranhei que um país orgulhoso como Angola recorresse a uma fraseologia com ecos da ditadura portuguesa para estabelecer a sua integridade territorial. “Angola, de Cabinda ao Cunene” parece devedora desse “Portugal uno e indivisível do Minho a Timor” tão grato ao Estado Novo.

No entanto, tal como os movimentos nacionalistas africanos que lutaram pela autodeterminação no continente optaram por manter as fronteiras artificiais saídas da Conferência de Berlim – e assim evitar as dores de cabeça de refazer os mapas de acordo com os povos originais -, os dirigentes das novas nações também não podiam escapar à sua própria história pessoal de independentistas criados no império que lutaram para desmembrar.

A terminologia usada para mostrar a unidade territorial angolana tem mais que se lhe diga, além da questão do país uno e indivisível tornado independente em 1975. Se em Moçambique se dissesse “de Cabo Delgado a Maputo”, não haveria mais do que uma continuidade geográfica desde a fronteira com a Tanzânia até à fronteira com a África do Sul. Na questão angolana, pela existência de um território à parte como Cabinda, cujos limites territoriais não são contíguos ao resto do país, as reverberações dessa frase transmitem mais do que a mera continuidade geográfica, que não existe. Pretendem deixar clara a ideia que está para lá de qualquer veleidade autonomista ou independentista: Angola estende-se de Cabinda ao Cunene, haja ou não Congo pelo meio.

Acresce à premissa meramente territorial um outro ponto essencial, capaz de tornar a geografia e a história secundárias nesta questão: as maiores reservas de petróleo de Angola estão em Cabinda, o que transforma a disputa numa questão de sobrevivência para o Estado angolano.

Os cabindas continuaram a luta depois da independência de Angola. A Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (depois rebatizada como Frente de Libertação do Estado de Cabinda) manteve-se ativa ao longo de todos estes anos, embora há muito que seja apenas uma força residual que realiza ataques esporádicos na zona fronteiriça da floresta do Mayombe (e tenta transformá-los em ações armadas de grande dimensão através de comunicados enviados à imprensa a partir de Paris, onde morreu exilado em 2016 o seu cofundador Henrique Nzita Tiago).

Em 2006, António Bento Bembe, indigitado presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo, assinou um acordo de paz com o governo angolano que foi repudiado pelos outros dirigentes independentistas cabindas, mas que permitiu ao executivo de José Eduardo dos Santos passar a ideia da pacificação do território.

Algo que continua a ser contrariado pela dotação do Orçamento do Estado angolano ainda hoje, onde se reserva verba avultada para questões militares e de segurança em Cabinda. Depois de Luanda e Huambo, Cabinda é a terceira província que mais dinheiro recebe para as suas forças militares e policiais, com as restantes províncias a grande distância.

É certo que em termos de propaganda, aquilo que Bento Bembe assinou (e com isso conseguiu um lugar no governo) serviu a Luanda como forte instrumento de difusão da mensagem de pacificação e aos olhos externos como prova de uma inexistente normalização. Dizem-no os principais representantes da luta independentista, dizem-no as prisões políticas de Arão Bula Tempo e José Marcos Mavungo (este atualmente a residir em Portugal, num autoexílio também por razões de saúde), di-lo o controlo que o governo angolano continua a manter nas viagens de e para aquele território.

E dizem-no dois livros acabados de editar. Um deles é do ex-padre Raul Tati, que chegou a ser vigário-geral da diocese de Cabinda, professor universitário, antigo dirigente da Associação Cívica Mpalabanda (ilegalizada em 2006), atual deputado no parlamento angolano. “Cabinda – Órfã da Descolonização do Ultramar Português” começa com um prólogo que não deixa dúvidas: “O diferendo entre Cabinda e Angola subsiste 42 anos depois.” O livro de Tati assenta na premissa de que “o diferendo de Cabinda foi provocado pela traição de Portugal, mas é Angola quem o sustenta com todos os meios à sua disposição”.

A segunda obra é coletiva, organizada por Sedrick de Carvalho (outro preso político, este do processo dos 15+2, que também vive agora em Portugal). Chama-se “Cabinda – Um Território em Disputa” e procura suprir a lacuna da pouca bibliografia sobre o conflito escrita por angolanos não nascidos em Cabinda, embora entre os oito autores estejam dois que são originários do território (Mavungo e Afonso Justino Waco, outro exilado, este na Dinamarca).

Passados anos de adormecimento em torno da questão de Cabinda, estas duas obras pretendem contribuir para fazer regressar ao espaço do debate público uma questão que a descolonização portuguesa provocou e o governo central angolano aproveitou. Para que se consiga ver além do brilho ofuscante do ouro negro que ainda há uma questão por resolver nessa continuidade geográfica angolana, de Cabinda ao Cunene.

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