
Crime contra a humanidade são as florestas a arder e um tesouro como a Amazónia estar em perigo.
E sem olhar a tecnicidades, é-o também uma economia assente no consumo: que quanto maior, melhor. Chamam-lhe “crescimento”. Que quanto maior, mais dinheiro. Retira a uns a riqueza para a concentrar em outros e a atenção do Estado prende-se na ação de arrecadar mais impostos conforme o interesse que lhe convém, para equilíbrio de contas públicas.
Crime contra a humanidade é vivermos uma economia que tudo mata, como um monstro que se devora a si próprio e quanto maior, mais forte, mais consome.
Crime contra a humanidade é também uma economia que não vive da produção, mas da extração e do transporte poluidor desses recursos, da especulação vazia e emocional, do lucro rápido, sem importar que a “fonte” venha a secar para os vindouros, sem importar que quem habita a terra continue pobre, sem importar que continuem sem acesso à saúde, ao pão, ao trabalho digno e recompensador.
Crime contra a humanidade é explorar a terra com (e sem) licenças estatais que enriquecem os extractores e os estados, mas empobrecem quem lá vive e que fica sem nada – incluindo comunidades indígenas cujo modelo de vida é mais respeitador dos ecossistemas, mas cuja resistência face à exploração os ameaça cada vez mais.
Crime contra a humanidade é fazer-se um rico à custa de 10 pobres, numa riqueza que se faz roubando e não criando.
Crime contra a humanidade é queimar – ou deixar queimar – a floresta para vender madeira e depois não replantar.
Crime contra a humanidade é o plantio de soja, de eucalipto e de outras espécies não autóctones, de forma intensiva. Tudo isto sem preocupações pela sustentabilidade da terra ou pela vida, a nossa e a de outros seres vivos.
Crime contra a humanidade é o Governo não criar políticas públicas com incentivos que afastem o investimento florestal em culturas de eucalipto, e o aproxime de outras espécies não tão lucrativas a curto prazo, mas tão lucrativas para o nosso planeta.
Crime contra a humanidade é a agropecuária em regime de cultura intensiva e super-intensiva, onde vale tudo para fazer crescer os animais e as culturas com rapidez, nem que para isso sejam necessários químicos que nos farão mal à saúde, a nós consumidores que nem percebemos de onde nos vem o alimento antes de ele chegar ao supermercado – e com que crueldade.
Crime contra a humanidade é o que compramos para comer, mas sem a olhar às longas distâncias, transportadas por meios poluentes, emissores de CO2, em vez de consumirmos produtos locais e da época.
Crime contra a humanidade é não procurarmos alternativas sérias que substituam os transportes e os empregos de indústrias poluidoras em indústrias limpas; e os governos se demitirem de investir nessa investigação, pois é também com essa economia de combustíveis poluidores que muitos impostos arrecadam.
Crime contra a humanidade são os acordos internacionais de comércio que aceleram ainda mais a exploração dos recursos naturais para um consumo exagerado.
Crime contra a humanidade é consumirmos tudo: a floresta, a terra, o mar, a água. Desenfreadamente.
Crime contra a humanidade é não percebermos que estamos todos no mesmo barco, ricos, pobres, poderosos, oprimidos, os do sul, os do norte, seres humanos e peixes e árvores.
Por mais pequeno que seja o buraco no casco, não são apenas os que lá estão perto que vão afundar.
Quando percebermos, enquanto humanidade, que com esta forma de viver nos consumiremos a nós próprios e às nossas hipóteses de sobrevivência neste planeta, talvez o sol nasça verdadeiramente para todos e compreenderemos que a vida não é o lucro, mas o nosso planeta.
Texto Pedro A. Neto
Fonte: sete margens
Foto: latestly, edição VOC