ANGOLA NÃO TEM COMO EVITAR A ASCENSÃO DE CABINDA À INDEPENDÊNCIA NUM FUTURO NÃO MUITO DISTANTE

Por ocasião do 75º Aniversário da Organização das Nações Unidas, a revista “Bedrohte Völker – Pogrom” publicada pela „Gesellschaft für bedrohte Völker”, isto é, “Sociedade para os Povos Ameaçados”, entrevistou Bartolomeu Capita (MNC) a fim de apurar a natureza do papel das Nações Unidas, de Angola, de Portugal e da Alemanha na restauração da soberania política em Cabinda.

Coloco à vossa disposição a íntegra da entrevista em Alemão! Eis aqui a ligação: https://cabindacitizenship.files.wordpress.com/2020/02/bv_316_un_cabinda.pdf

Por: www.avozdecabindambembubula.com

29-02-2020

CABINDA – A COLÓNIA ESQUECIDA

“Angola não tem estatuto legal em Cabinda “

Poucas pessoas conhecem Cabinda – mas isso é de interesse internacional para muitos países. Porque o enclave do estado africano de Angola tem petróleo.

Bartolomeu Capita é o Presidente do Movimento Nacional de Cabinda-MNC e é um refugiado político de Cabinda. Na entrevista, ele conta a história de Cabinda, o conflito em sua terra natal e o papel das Nações Unidas.

SR. CAPITA, MUITAS PESSOAS NA EUROPA NUNCA OUVIRAM FALAR DE CABINDA. COMO VOCÊ DESCREVERIA SUA TERRA?

O Território de Cabinda está localizado na África Central. Não tem fronteira comum com Angola e fica exatamente entre a República Democrática do Congo e a República do Congo. Abrange aproximadamente 10.000 quilómetros quadrados e menos de dois milhões de habitantes. No entanto, a maioria das pessoas de Cabinda vive no exílio: como refugiados devido à repressão política e à degradação e exploração social que ocorrem em Cabinda.

Cabinda é um protetorado português desde 1885 e ainda o vemos como um protetorado internacional.  Deveria ser através do direito internacional. Foi esse o caso – até Angola invadir Cabinda em 1975, com o apoio dos soviéticos e cubanos, e ocupá-lo. Desde então, Cabinda está sob ocupação angolana.

VOCÊ MENCIONOU QUE CABINDA ERA UMA COLÓNIA DE PORTUGAL. APÓS A QUEDA DA DITADURA EM PORTUGAL, CABINDA DEVERIA TER SE TORNADO INDEPENDENTE, E DEPOIS FOI OCUPADA POR ANGOLA. COMO ESSE PROCESSO FUNCIONOU E QUAL O PAPEL DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)?

Eu tenho que corrigir algo, ou seja, o termo colónia. Cabinda nunca foi uma colónia de Portugal. E o processo de descolonização em 1974 após a Revolução dos Cravos em Portugal nunca terminou. Então o que aconteceu é que Angola ocupou Cabinda, com a aprovação de Portugal. Os portugueses ainda estavam no país naquela época. É exatamente aí que reside o problema. É por isso que é importante falarmos sobre isso, especialmente quando as Nações Unidas comemoram seu 75º aniversário.

O maior erro foi cometido em 1960 nas Nações Unidas. Se você ler a Resolução 1542 (XV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, verá que as Nações Unidas endossaram a integração de Cabinda no território angolano. A ONU reconheceu a violação ou praticamente violou a soberania e a integridade territorial de Cabinda. Agora não sabemos se foi apenas um erro – ou uma conspiração.

Ainda estamos tentando encontrar uma solução com as Nações Unidas.

Angola não era independente em 1960. A luta de libertação começou na década de 1960. Após a Revolução dos Cravos, Portugal foi obrigado a descolonizar seus territórios ultramarinos, causando o principal conflito no meu país de origem. No entanto, os portugueses fizeram o possível para reconhecer os direitos do povo de Cabinda e ajudá-los a alcançar a soberania política. O presidente português António de Spínola se reuniu com o então presidente dos EUA, Richard Nixon, em junho de 1974, na esperança de que os Estados Unidos o ajudassem a obter uma descolonização pacífica e bem pensada.

Em vão. Portugal sentiu-se deixado para trás pelas super potências da OTAN – e convidou os cubanos e soviéticos para Cabinda. Não foram o exército de libertação angolano, mas os portugueses que os convidaram. O território de Cabinda estava ocupado enquanto os portugueses ainda estavam lá! A primeira oportunidade para um acordo pacífico foi perdido.

Então, em 1975, houve o Acordo de Alvor entre Portugal e os Movimentos de Libertação de Angola.  As partes no conflito assinaram um acordo para o reconhecimento português do direito à autodeterminação e independência de Angola. O artigo 3º deste acordo declara Cabinda como território angolano. No entanto, apenas alguns meses depois (através do Decreto 458-A / 75 de 22 de agosto de 1975) Portugal revogou o Acordo – e é por isso que Angola ainda não tem nenhuma reivindicação legal por Cabinda hoje.

Continuamos a ver o problema de Cabinda como um problema político legal que ainda está sob a jurisdição das Nações Unidas.

O ARTIGO 1º DA CARTA DA ONU FALA DO PRINCÍPIO DA AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS. AS NAÇÕES UNIDAS VIOLARAM SEUS PRÓPRIOS REQUISITOS NO CASO CABINDA?

Sim. Mas não podemos culpar a ONU diretamente sem contexto. Ainda estamos tentando descobrir o que aconteceu. Mas o preâmbulo da Resolução 1542, de 15 de dezembro de 1960, descreve a discussão entre os Estados membros sobre o status de certos territórios de Portugal em África.

Protesto contra a gigante petrolífera Chevron, que também opera campos de petróleo na costa de Cabinda. Elias Isaac, da iniciativa de sociedade aberta (Open Society) para a África Austral “Angola”, denuncia a empresa.

Então houve uma discussão sobre isso. Contudo, também sabemos que o problema de Cabinda não começou em 1960, mas no início do século XVII. Cabinda foi ocupada pelos Países Baixos por 40 anos, depois pelos britânicos por quase mais 40 anos, depois pelos franceses, depois pelos belgas e finalmente pelos portugueses. Eles foram obrigados a assinar um acordo de protetorado. Se olharmos para esta história de Cabinda, fica claro que a luta das potências europeias pelo controle de Cabinda continua até hoje.

Cabindianos podem ser encontrados em toda a Europa: a maioria na França, mas também na Grã-Bretanha, Holanda e Portugal. Estes também são os países que lutam por Cabinda como uma esfera de influência na África, e é por isso que devemos agora fazer o possível para chamar a atenção para a situação. Em Setembro passado (2019; nota do editor), solicitamos uma audiência com a 4ª Comissão da Assembleia Geral da ONU. O secretário-geral da ONU, António Guterres, também estará presente.  

Ficaríamos gratos se a Sociedade para os Povos Ameaçados também levantasse esta questão no 11 de Novembro de 1975: Dia da Independência de Angola. Os tanques do Exército de Libertação participam de um desfile na capital angolana de Luanda para comemorar a independência de Portugal.

Ao nível da ONU poderia argumentar. A questão de Cabinda não é um tópico novo para a ONU. Em 1962, já havia 4 resoluções (1807 (XVII), 1808 (XVII) e 1809 (XVII) de 14 de dezembro de 1962 e 1810 (XVII) de 17 de dezembro de 1962). No entanto, é necessário o apoio de nações poderosas para aplicá-las. Você tem que estar interessado com o problema de Cabinda, por isso tentamos ser ouvidos – e implementar as resoluções que ajudam a ONU a encontrar uma solução pacífica.

A ONU PROPÔS UMA RESOLUÇÃO EM 2006 E FOI CONCLUÍDO UM ACORDO DE PAZ ENTRE PARTES CONFLITUANTES DE CABINDA E ANGOLA. O QUE É ISSO TUDO E COMO A SITUAÇÃO MUDOU?

Essa é uma questão muito pertinente. Porque existe um grande problema: o governo de Angola não tem status legal em Cabinda. Isto significa que o poder angolano não tem legitimidade em Cabinda.

A única coisa que daria legitimidade a Angola é o Acordo de 1975 com Portugal, mas que foi declarado nulo e sem efeito. É por isso que Angola tenta encontrar alguém que possa suborná-lo. Esses cabindianos devem assinar um documento que lhes permita reivindicar a legitimidade. Esse é o verdadeiro significado do acordo de 2006 – e mesmo antes disso.

Eu posso te dar um exemplo. Em 1991, fomos convidados (Movimento Nacional Cabinda) Para a República do Congo, onde nos encontramos com o governo angolano. Eles tentaram nos subornar. Os representantes vieram com muito dinheiro. Eles já me ofereceram US $ 5 milhões em dinheiro para ajudá-los. Eu recusei. O mesmo aconteceu comigo na França, onde o embaixador angolano me enviou uma carta para me convidar para a embaixada e me ofereceu milhões para assinar um documento.

Enviei uma cópia da carta para o Escritório das Nações Unidas para os Refugiados. Este é o jogo que Angola está jogando. E esse é o significado dos acordos – eles não ajudaram nem um pouco. Ainda estamos lá, ainda estamos lutando pelo nosso direito à autodeterminação e pelo direito à soberania política. O governo angolano matou meu irmão e o meu pai. Os meus familiares, que ainda moram em Cabinda, tem medo de se comunicar comigo. O governo está pressionando-os a me impedir de lutar.

QUAIS ESTRATÉGIAS ORIENTADAS PARA A SOLUÇÃO VOCÊ SUGERIRIA À ONU PARA MELHORAR A SITUAÇÃO DE CABINDA?

Nós enviamos muitos documentos ao governo alemão desde que cheguei na Alemanha. Ficaríamos felizes se a Alemanha intermediasse a questão com Portugal, Porque acreditamos que Portugal ainda desempenha um papel em Cabinda e pode garantir a realização de negociações entre nós e o governo. Para isso, aceitaremos uma fase de transição antes do início da independência de Cabinda.

Porque Angola está atualmente em caos e confusão, assim como em Cabinda. Precisamos de pelo menos 10 a 15 anos para nos prepararmos para construir nossa própria infraestrutura, para construir tudo o que precisamos para se tornar um país do século XXI. Não podemos simplesmente expulsar os angolanos de casa de um dia para o outro e tornarmo-nos independentes. Isso seria imprudente.

Há muito interesse em Cabinda: as grandes empresas de petróleo dos EUA estão em Cabinda, os chineses, os britânicos, os franceses – todas as super potências estão lá. E essas empresas precisam de proteção. E atualmente, Angola lhes oferecem essa proteção. Temos que ser capazes de garantir isso.

Então, precisamos de uma fase de transição na qual a infraestrutura de Cabinda se desenvolvam e Cabinda recupere a soberania política. O que propomos é uma solução pacífica, no âmbito da ONU, apoiada por Portugal. Queremos que Portugal e Alemanha estejam presentes. É muito importante para nós.

Para a solução em si: é uma questão de negociação. Não temos escolha senão dialogar com o governo angolano. Durante esta fase, os angolanos deixarão gradualmente o país – e gradualmente Cabinda recuperará a soberania política e económica.

ENTREVISTA CONDUZIDA POR JAKOB FAUST.

OBS: Tradução informal por Mbembu Buala Press

Publicado em língua alemã por „Gesellschaft für bedrohte Völker”, isto é, “Sociedade para os Povos Ameaçados” e partilhado por Bartolomeu Capita – Presidente do MNC, via redes sociais.

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