CABINDA É UMA PROVÍNCIA ULTRAMARINA?

A propósito de uma polémica levantada recentemente no parlamento pelo senhor Deputado Roberto Leal Monteiro (Ngongo) sobre o uso da expressão “província ultramarina de Cabinda” numa das minhas intervenções, a pedido de alguns cidadãos atentos que acompanharam essa sessão e que alegam que eu não dei uma réplica adequada ao ponto de ordem solicitado pelo colega Deputado, apraz-me deixar aqui alguns comentários.

Na verdade, não dei réplica alguma. Limitei-me a minimizar aquela tempestade num copo d’agua, mantendo o foco no ponto que estava em debate sobre a execução do orçamento no primeiro trimestre deste ano.

Preferi falar dos problemas da população do que usar os parcos minutos de intervenção para um confronto verbal sobre a maka levantada.

O senhor Deputado Ngongo pediu um ponto de ordem, que lhe foi concedido pelo PAN, para manifestar o seu repúdio veemente contra a expressão por mim usada.

No seu entender, essa expressão envergonhava os Deputados angolanos, que Cabinda era uma província de Angola e que o Deputado Raul Tati era angolano.

Chamou a isso de radicalismo e remeteu a bola para a comissão de ética e decoro parlamentar.

O senhor Presidente da Assembleia Nacional exortou então o refrear dos ânimos e que a intervenção fosse no respeito da Constituição, da soberania e da integridade territorial.

Ora bem, creio que para dissuadir os equívocos levantados encaixa bem uma figura filosófica designada por “analogia”. Ela aplica-se a duas realidades em parte semelhantes e em parte diferentes. Isso significa que não partilham a mesma essência.

Ao evocar os fantasmas do colonialismo português em cujo contexto Angola se tornou uma “província ultramarina” não teve em conta alguns aspectos que não se aplicariam no caso da “província ultramarina de Cabinda”. A Carta Orgânica do Império Colonial Português (Decreto-Lei n.23 229, de 15 de Novembro de 1933) e a Reforma Administrativa Ultramarina (Decreto-lei n. 23 229, mesma data), iniciativa legislativa do Professor Oliveira Salazar, nas vestes de Ministro interino das colónias, estabeleceram a lei geral do governo das províncias ultramarinas e sua divisão administrativa e territorial.

Pelo que a designação de “província ultramarina de Angola” nunca foi uma opção dos angolanos, mas uma decisão dos portugueses de que se orgulhavam. Se quisermos forçar uma analogia com Cabinda, num contexto de colonização, nenhum cabinda se orgulharia dessa designação. Aliás aquando das pressões desencadeadas nos anos sessenta pela ONU e pelo Presidente Kennedy para acolher o direito dos povos a autodeterminação, Salazar replicou que Portugal não tinha colónias, mas províncias ultramarinas e que estas não estavam a venda.

De resto, se visitarmos o contexto semântico, os territórios ultramarinos são geograficamente territórios descontínuos, independentemente de serem ou não dependentes de alguma potência administrante. No mapa vemos ilhas francesas, britânicas, etc.

São territórios ultramarinos mas sob a soberania desses países. Dizer que Cabinda é uma província ultramarina é exactamente dizer que é um território descontínuo ou além-mar. E só pode ser uma província ultramarina se estiver dentro da soberania angolana. Caso contrário, não faz qualquer sentido.

Na prática as únicas ligações entre Cabinda e o resto do país só pode ser por mar (já estão a caminho os catamarã) ou sobrevoando o mar. Factos são factos e contra factos não há argumentos.

Portanto, o senhor Deputado Ngongo talvez devesse usar o seu ponto de ordem para solicitar um esclarecimento sobre o uso da expressão e não incorrer em juízos temerários, evocando uma possível “inquisição” da Comissão de Ética e Decoro. Se me acusa a mim de radicalismo, eu também vejo nessa reação intempestiva sintomas de integrismo inusitado.

Se o parlamento tiver que enveredar por censuras dessa natureza, o ideal seria agendar já uma addenda no Regimento da Assembleia Nacional com o index das palavras proibidas.

Dixit! Deputado Raul Tati

13/08/021

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