EPÍSTOLAS DO APÓSTOLO RAÚL TATI PARA MARCOS ALEXANDRE NHUNGA

Sorte e Sobrevivência Política de Marcos Nhunga está nas próprias mãos de Marcos Nhunga

Pretendo neste artigo trazer à luz algumas reflexões sobre a gestão governativa actual do território ultramarino e descontinuado de Cabinda, por ocasião do primeiro ano da nomeação do seu actual Governador, cujo despacho de nomeação foi tornado público a 24 de julho de 2019. 

Breve retrospectiva

A exoneração do General Eugénio Laborinho e a nomeação do Eng.º Marcos Nhunga, 60 anos de idade, para Governador de Cabinda foi saudada pela população cabindense com algum entusiasmo. A sua chegada a Cabinda foi festejada e brindada no aeroporto local pela população. 

Uma nota particular que não posso aqui omitir foi a especial euforia manifestada por um grupo significativo de cidadãos do grupo étnico Baiombi por um sentimento normal de pertença identitária muito arreigada nas nossas populações. As circunstâncias explicavam-no: era o primeiro Governador oriundo do Maiombe!

No dia 03 de Agosto de 2019 aconteceu o acto de apresentação do novo Governador pelo então Ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Dr. Adão de Almeida. O acto teve lugar no palácio do Porto Rico e contou com a presença da nata social e política de Cabinda. Também estive presente no acto como Deputado. Ouvimos os discursos da praxe a começar pelo governador cessante, Eugénio Laborinho, que praticamente gabava-se de ter feito ´´muito´´ em Cabinda em pouco tempo, tendo em conta o estado lastimável em que tinha encontrado Tchiowa a cidade capital de Cabinda. O novo inquilino prometeu continuar o trabalho do seu predecessor, mas apelou a participação e colaboração de todos para o desenvolvimento de Cabinda; deixou aí claro também que, descartando qualquer veleidade de favorecimentos de carácter tribal, queria trabalhar com todos sem olhar para as origens, por serem todos filhos de Cabinda, do Miconje ao Yema e do Massabi ao Zenze do Lucula. Por sua vez, o Ministro Adão de Almeida exprimiu todo o apoio do governo central ao novo Governador e a sua determinação de dar continuidade aos projectos de impacto económico e social em curso em Cabinda, tendo reiterado que Cabinda continuava a receber uma atenção muito especial do Executivo angolano. Como sempre, mais uma conversa para o boi dormir! Mas o boi de Cabinda não dorme, dá coices! Que o diga o PR João Lourenço!…

Nos dias que se seguiram, o novo Governador calcorreou o município de Cabinda em visitas de constatação. Depois foi a vez dos municípios do interior, Belize, MBuco-Nzau, Cacongo. Organizou igualmente encontros de auscultação a várias franjas da população. Fez o seu diagnóstico, mais um, e partiu para a Metrópole para a audiência da praxe na Acrópole capitalina, levando na bagagem as suas principais preocupações no intuito de trazer dali orientações e os apoios prometidos.

Já lá se foram doze meses da sua gestão governativa e tem ainda pela frente mais ou menos 24 meses, se o ´´exonerador implacável´´ não mudar de ideias. Durante esse ano, o que mudou em Cabinda?

Análise da situação actual de Cabinda

Rigorosamente falando Cabinda continua estagnada em quase todos os sectores. Os problemas conjunturais e estruturais não só não encontram soluções como tendem ao agravamento. Cabinda tem uma população estimada em 801.374 mil habitantes (2018) com uma densidade de 20,6 pessoas por km2.

Cerca de 80% da população está concentrada no município-sede. Cabinda tem uma taxa de natalidade que se situa aí pelos 6%, mas, paradoxalmente, a taxa de mortalidade, sobretudo por doenças, é um desafio permanente para um crescimento demográfico sustentável. Sendo um território com apenas 7.290 km2 e com quatro municípios, desiluda-se quem tiver uma percepção depreciativa dos seus problemas. Na verdade, os problemas de Cabinda são proporcionalmente inversos à sua extensão territorial.

Provavelmente temos o contrário noutras paragens onde o território é enorme mas os problemas são de pouca monta. Este é um dos erros do planeamento e da gestão política e governativa que o regime tem estado a cometer sistematicamente em Cabinda desde 1975. Reduziram Cabinda a uma dimensão microscópica! Ora, se não sabes o tamanho do problema que tens pela frente, como podes encontrar uma solução adequada? 

Os problemas de Cabinda já não estão a um nível de província. Noutros termos, enquanto se continuar a gizar para Cabinda, a partir da cidade Alta, soluções provincianas com planos, decisões e recursos financeiros tímidos, o seu desenvolvimento será adiado para sempre. O actual modelo governativo não só é ineficaz como é a principal causa dos nossos problemas conjunturais.

Governadores nomeados e sem poder próprio não passam de eminências pardas que capitalizam as expectativas ingénuas das populações, mas ao entardecer do dia vão colhendo apenas o desencanto de ver os problemas não resolvidos. Contrariamente, com um estatuto político-administrativo condizente com as aspirações dos nativos Cabinda teria as portas abertas para o seu desenvolvimento sustentável tendo em conta as suas imensas potencialidades em termos de recursos humanos e naturais. 

Infelizmente há 45 anos que nos foi imposta uma gestão política de tipo colonial baseada numa economia extractiva e de predação.

Tendo em conta esta premissa, na minha opinião, o verdadeiro problema que encalha o desenvolvimento de Cabinda não é o homem que é aqui colocado, mas sim o sistema que ele representa. Não está nos méritos ou deméritos de um Governador nomeado a chave-mestra para a resolução dos nossos problemas.

Se hoje, passado um ano, fôssemos convidar a população de Cabinda para uma manifestação pública da sua satisfação em relação à governação do Eng. Marcos Nhunga, tenho certeza que desta vez levaria um banho de contestação contrariamente ao banho de simpatia e apoio que teve na sua chegada. Aqueles que festejaram a sua vinda, hoje estão desiludidos porque as suas dificuldades agravam-se cada vez mais. 

Não está aqui em jogo o dito bíblico de que “os santos da casa não fazem milagres”, pois para mim isso é quase indiferente, embora possamos manifestar por um impulso natural a nossa simpatia por alguém da nossa terra e da nossa tribo. Rigorosamente falando não há vantagens nenhumas. 

Aliás um adventício pode chegar a ser um pouco mais “ousado” na defesa dos interesses das populações locais junto da administração central. Um filho da terra precisa por vezes de jogar na linha com muitas cautelas para não ser conotado com os sentimentos reivindicativos difusos nos cabindas. 

O antigo governador, Eugénio Laborinho, partilhou abertamente comigo que tinha uma relação muito especial com o PR João Lourenço e que tinha um canal aberto para o despacho sempre que necessário. Tinha também instruções “especiais” para a gestão do “Caso Cabinda”. Duvido que o actual inquilino do palácio do Porto Rico, filho desta Terra, tenha recebido as mesmas instruções especiais. 

Entretanto, como não podemos cobrar ao sistema por ser algo abstrato, é mesmo pertinente cobrar a quem está a governar. Hoje como hoje a governação não pode ser um segredo duma dúzia de iluminados. Temos, todos, uma palavra a dizer, pois a boa governação requer transparência e prestação de contas ao Povo soberano. Neste sentido eu faço aqui a minha parte, enquanto Deputado do Povo, partilhando a minha visão sobre o que tem sido o primeiro ano do consulado do nosso Governador. 

Avaliação da governação actual

O programa de governação do MPLA foi chumbado em Cabinda pelos eleitores em 2017. O MPLA perdeu eleições em Cabinda para a oposição. Provavelmente o que os cabindenses chumbaram não é o conteúdo do programa a maioria da população nem se quer o leu e estudou mas as “malandrices” do MPLA e o fraco desempenho dos seus dirigentes.

A sociologia da nossa praça eleitoral em Cabinda tem como principal componente demográfica a juventude. Este dado é fundamental porque essa franja representa a massa crítica e mais insatisfeita da Província. Creio que o governador Marcos Nhunga conseguiu perceber isso no único encontro realizado com os jovens no Centro Cultural Chiloango. Todavia, depois de ter feito a promessa de dar uma atenção particular à juventude, sobretudo, na questão dos problemas sociais da juventude como a formação, o emprego e a habitação, os jovens lamentam o abandono a que estão votados. 

Os jovens de Cabinda, muitos deles recém-licenciados pelas nossas universidades, estão em casa sem ocupação e sem perspectivas, na sua grande maioria. Alguns estão a abandonar Cabinda em busca de oportunidades noutras paragens, provocando um fenómeno de desertificação sociológica e do êxodo do capital humano. Paradoxalmente, há uma tendência em ir buscar quadros em Luanda para ocupar funções em Cabinda, uma preferência politicamente questionável. 

No meu entendimento, tem sido um erro grave do nosso sistema educativo que prepara os cidadãos na perspectiva de um Estado paternalista que distribui empregos, casas, cargos, etc. A educação deve ser virada para o empreendedorismo e não na assunção de cargos nas repartições administrativas para premiar alguma militância partidária exemplar. O actual PR prometeu à juventude na sua campanha eleitoral 500 mil empregos. Foi um erro! Vendeu esse sonho aos jovens e grande parte deles comprou o sonho e hoje está desiludida. São as malandrices do MPLA!

Outro aspecto que aqui merece uma nota negativa tem a ver com a dificuldade de lidar com as instituições do Estado sem olhos partidários. Nas suas vestes de Primeiro Secretário do MPLA em Cabinda o Eng.º Marcos Nhunga mostra ainda alguma relutância em governar com quadros que não tenham militância partidária no MPLA. 

É uma prática que choca contra o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos. Somos, em primeiro lugar, cidadãos e, só depois, militantes. Infelizmente, na visão do Primeiro Secretário do MPLA em Cabinda, um quadro do MPLA não pode ser submetido a um superior hierárquico que não tenha militância no MPLA. O antigo governador, Eugénio Laborinho, ensaiou a possibilidade de chamar figuras da sociedade civil para a sua governação, fazendo uma aposta na sua competência. Chegou de chamar a isso de governo inclusivo e participativo. Nomeou duas figuras apartidárias para dois sectores-chave: Educação e Saúde. Entretanto, o actual governador dispensou-os.

No judgement, no settlement, no comment! Este foi o acto de maior impacto político do seu primeiro ano de governação em Cabinda. Desconheço outros que tenham tido o mesmo impacto.

O seu envolvimento directo no imbróglio judiciário que envolvia figuras do seu governo, tendo influenciado a sua soltura imediata, não foi um bom exemplo de independência dos poderes judiciais. Não é muito avisado que os magistrados ajam por orientações políticas. Defendo e sempre defenderei que os inocentes não devem pernoitar uma única noite nas cadeias, mas defendo também que quem comete ilícitos não deve ficar impune. 

Porém, espanta-nos ainda que essas mesmas figuras do governo, apesar de indiciados com actos de corrupção e tendo sido constituídos arguidos, não tenham sido ainda dispensados dos seus cargos para responderem livremente diante dos tribunais. Temos conhecimento de outros processos que há anos jazem no Tribunal, sem pernas para andar, cujos indiciados estão na iminência de serem nomeados para novas funções no governo.

O que se pode concluir diante disso? 

Estão a ser protegidos e isso demonstra um desalinhamento com as políticas de combate contra a impunidade gizados pelo PR João Lourenço. Quid iuris?

Última nota. Os sentimentos emancipalistas no seio da população vão tomando expressões cada vez mais resilientes. Na ausência total de um diálogo político sobre a matéria, os únicos protagonistas que estão em campo são a Polícia e os Tribunais. Neste momento há jovens cabindas detidos por delito de opinião. 

Noutros termos, Cabinda é o único recôndito nacional que ainda alberga presos políticos. Sei que é um embaraço absoluto governar um território com tais quejandos. Mas ao aceitar o desafio, era necessário precaver estratégias para lidar com a situação. É meu entendimento de que nestas condições o Governador tem de ser um facilitador do diálogo político com todas as opiniões e sensibilidades políticas. Deve sobretudo fazer uso das suas prerrogativas legais e constitucionais para refrear as apetências de repressão policial muito frequentes em Cabinda. 

Tornou-se quase moda em Cabinda: a Polícia prende, o Magistrado do Ministério Público legaliza as arbitrariedades da Polícia e depois o meritíssimo Juiz da causa manda soltar. Todos dizem defender a mesma Constituição! O zelo pela legalidade é tanto que acabam por prender cidadãos mesmo lá onde não há crime, atropelando o clássico princípio jurídico “nulla poena sine lege” (não se pode punir ninguém por fazer algo que não é proibido explicitamente por lei).

O problema do empresariado local exige uma atenção particular. O nosso empresariado está a minguar com enormes dificuldades financeiras e logísticas. As empresas locais morrem todos os dias. O comércio local está praticamente nas mãos de estrangeiros, na sua maioria libaneses (comércio não informal) e congoleses democráticos (comércio informal). Preocupa-me sobretudo o comércio alimentar, pois é complicado que aquilo que constitui a nossa cesta básica dependa de estrangeiros. 

A alimentação é um problema de segurança nacional e por isso não pode ser deixada em mãos alheias. Até cá não vemos estratégias robustas em curso para reverter a situação. A produção local continua sem asas para voar. Acrescido a essa situação, temos também o problema dos preços altamente especulativos praticados em Cabinda. O Estado está a perder essa batalha de controlo e fiscalização dos preços sobretudo dos produtos básicos. Estamos entregues às mãos dos comerciantes sem escrúpulos que todos os dias encarecem o custo de vida em Cabinda. Esse problema não tem merecido uma atenção adequada e eficaz pelos órgãos competentes do governo. 

À guiza de conclusão, entendo que apesar daquelas premissas colocadas nesta reflexão relativamente à gestão governativa de tipo colonial, cada Governador despachado para Cabinda tem deixado a sua marca.

Hoje ainda nos recordamos dos tempos do Jorge Chimpuaty, do Dokui de Castro, Augusto Tomás, Amaro Tati, Aníbal Rocha, dentre outros. Cada um deles tem a sua marca na nossa memória colectiva. Portanto, o Eng. Marcos Nhunga tem ainda uns mesitos pela frente (já não é muito tempo!) para construir a sua marca. 

De Cabinda dependerá a sua sobrevivência política. ´”Tempus maior iudex omnium” (Em tudo o tempo é o maior juiz).

Texto de Raúl Tati

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