A Mbembu Buala Press (A Voz de Cabinda) teve a honra de entrevistar, neste mês de Outubro de 2020, o Pastor Afonso Justino Waco, membro do Conselho de Direcção e Coordenador da Comissão para as Questões Políticas, Organização e Porta-voz do Alto Conselho de Cabinda – ACC.
Entrevista que tem lugar precisamente no período em que o ACC celebra o seu primeiro aniversário, recordar que esta organização política cabindesa foi criada em Outubro de 2019, fruto da reunião inter-cabindesa realizada no Centro Internacional de Treinamento para Manutenção da Paz Koffi Annan (KAIPTC), em Accra-Gana, tendo sido facilitada pela Organização Africana para o Desenvolvimento (OAD).
A Mbembu Buala Press (A Voz de Cabinda) agradece profundamente ao entrevistado pela disponibilidade e sobretudo pelo consentimento ao nosso pedido de entrevista para abordar questões ligadas à problemática do “Problema de Cabinda” e do seu Povo.
Minhas Senhoras e Meus Senhores, leiam com atenção, os pronunciamentos do Pastor Afonso Justino Waco às questões levantadas pela nossa plataforma:
BREVE APRESENTAÇÃO
1- MBP/AVC: PARA OS QUE NÃO O CONHECEM DE UMA FORMA GERAL E RESUMIDA! QUEM É O PASTOR AFONSO JUSTINO WACO?
PAJW: Pastor Afonso Justino Waco, nascido aos 30 de Junho de 1960, em Bamba-Cuanga, Miconje. Fiz o ensino primário no posto escolar de Quicumba Congo, preparatório e secundário na escola Paulo Baveca, no Centro de Refugiados do Kimbianga, graduação em Administração Empresarial no Institut Supérieur Téchnique et Commercial (ISTC) de Boma e mestrado em Teologia na Universidade Protestante do Congo (RDC) e na Universidade de Aarhus, na Dinamarca.
Estive pela primeira vez no exílio, na RDC, levado pelos pais, de 1961 a 1966, aquando das incursões da UPA (União dos Povos de Angola) no Miconje. Pela segunda vez, ainda na RDC, de 1975 a 1993 e, pela terceira vez, desta feita, para República do Congo Brazzaville e de lá para Dinamarca de 1999, onde vivo até hoje.
Integrei a FLEC em 1976. Fui nomeado Secretário da Juventude no executivo da FLEC-Lubota, em 1985. Iniciei a fundação da Associação dos Estudantes de Cabinda (AEC) em Kinshasa, de que fui o primeiro Coordenador. Criei, em 1994, o Comité dos Nacionais de Cabinda, em Cabinda, de que fui o Secretário Geral.
Chefiei a delegação dos nacionalistas cabindeses enviada pelo governo angolano a Paris para manter conversações com o então líder da FLEC-FAC, o malogrado Nzita Henriques Tiago. Chefiei a delegação do interior para a Inter-cabindesa de Libreville, Gabão, da qual fui eleito Vice-Presidente da mesa. Finalmente, fui um dos arquitectos principais da Inter-cabindesa de Accra, Ghana, onde resultou a criação do Alto Conselho de Cabinda de que sou membro do Conselho de Direcção, como Coordenador da Comissão para as Questões Políticas, Organização, e porta-voz.
“FACTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS SOBRE O TERRITÓRIO DE CABINDA”
2-MBP-AVC: QUAIS SÃO OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E JURÍDICOS QUE LEVAM OS “CABINDAS” À REIVINDICAREM PERANTE O ESTADO ANGOLANO À REVISÃO DO ESTATUTO POLÍTICO DO TERRITÓRIO DE CABINDA?
PAJW- Historicamente falando, os reinos de Macongo, Mangoyo e Maloango não dependiam do grande reino do Congo, cuja sede era em Mbanza Kongo, donde, aliás, partiram todos os povos Bakongo que povoam a região da bacia do rio Congo, a saber, o norte de Angola, o oeste da RDC, o sul do Congo Brazaville, o sul de Gabão e Cabinda. A assinatura dos tratados que ligaram Cabinda a Portugal é um testemunho eloquente desse facto histórico. No final desse contrato, era bem lógico Cabinda ser remetida aos seus proprietários genuínos, e não a Angola.
Juridicamente, o tratado de Simulambuco concedeu a Portugal o reconhecimento internacional para se manter em Cabinda. Esse contrato entre o povo português e o povo de Cabinda não deveria, e nunca, ter sido negligenciado por um dos co-signatários. Ademais, há quem diga que a separação de Cabinda de Angola, sustentada por uma história colonial diferenciada, cessou em 1955, ano em que Cabinda foi ligada administrativamente a Angola. Mas o que as pessoas ignoram é que a constituição portuguesa de 1933, que continuou a vigorar até 1975, isto é, até pouco antes da independência de Angola, continuava a distinguir Cabinda de Angola. E podia continuar com o que o Direito Internacional reconhece sobre o direito dos povos.
No entanto, se formos a pôr de parte toda essa discussão jurídica, que evoca muitos outros aspectos, tais como a teoria da intangibilidade das fronteiras herdadas da descolonização – que já foi também posta em causa em mais de uma ocasião – ou os textos do direito interno, consubstanciado na Constituição da República de Angola, que consagra a indivisibilidade do território nacional, a pergunta mais pertinente a fazer é: o que é que o povo de Cabinda quer?
Em 1991, escrevi algo semelhante ao que segue: lá onde o direito interno se cala, o direito público internacional dá voz aos povos oprimidos. Mas uma outra verdade deve também ser dita. O direito, seja ele interno ou internacional, só serve o interesse dos mais fortes. Não fosse isso, Cabinda já teria alcançado a sua Autodeterminação pela força do Direito Internacional Público. Isto leva-me a fazer a seguinte análise: o direito (como faculdade ou prerrogativa) é algo que nem sempre está ao alcance do ser humano. Um direito pode ser reconhecido a alguém ou ser-lhe negado; o direito pode ser dado ou recusado. Num mundo guiado por interesses diversos, o direito nunca foi um valor intrínseco ao ser humano. Mas uma coisa o é, a legitimidade.
A colher e as mãos ilustram essa discrepância entre o direito e a legitimidade: para alguém que está morrendo de fome e recebe um prato de comida, mas não se põe a comer, só pelo facto de não lhe ter sido dada uma colher, sabendo que tem as mãos para o fazer… enfim, há razões para se interrogar se este ainda tem as suas faculdades mentais no lugar. A legitimidade é a arma gratuita, deveras a mais eficaz, para reclamar um direito negado a um povo. Este é o fundamento de toda a acção humana, se tratando de dizer ”não” a uma injustiça.
3-MBP/AVC – SE FORMOS À RESPEITAR AS FRONTEIRAS TRAÇADAS PELOS OCIDENTAIS NA CONFERÊNCIA DE BERLIM. QUAL DEVIA TER SIDO O ESTATUTO POLÍTICO DO TERRITÓRIO DE CABINDA NA VAGA INDEPENDENTISTA DOS EX-TERRITÓRIOS DO ULTRAMAR PORTUGUÊS? E POR QUÊ? (UMA VEZ QUE A CONFERÊNCIA DE BERLIM, RECONHECEU PORTUGAL COMO POTÊNCIA OCUPANTE POR VIA DO TRATADO DE SIMULAMBUCO COM À EFECTIVAÇÃO DO PROTECTORADO COM OS CABINDAS).
PAJW: Cabinda deveria ser um estado independente pelas razões referidas no ponto anterior.
4-MBP/AVC: QUAIS SÃO AS VERDADEIRAS ORIGENS DO POVO DE CABINDA? PORQUE ONTEM ERAM ROTULADOS DE SEREM DESCENDENTES DE ANGOLANOS MUSSORONGOS E HOJE SÃO ROTULADOS DE SEREM DESCENDENTES DE ANGOLANOS BAKONGOS! MAS AFINAL SÃO BINDAS (FIOTES), MUSSORONGOS, BAKONGOS (ANGOLANOS)?
PAJW: O povo de Cabinda não é descendente do povo angolano. Os Bindas são uma fracção dos Bakongos como o são os Yombes na RDC, os Laris no Congo Brazzaville, os Yumbe no Gabão e os Baxicongo (ou basicongo) em Angola. O grupo bakongo pertence ao povo banto, que migrou de alguns pontos no norte de África, nomeadamente, a bacia do lago Tchad, a floresta equatorial e os planaltos do norte e sudeste do Sahara. Devo acrescer a isso que, em Maio de 1997, escrevi no Folha8 que, se Cabinda deve pertencer a Angola pelo simples facto de o povo Binda ser Bakongo, então Angola deveria também integrar no seu seio o Baixo-Congo da RDC, o sul do Congo Brazzaville e o sul do Gabão, cujas populações são igualmente Bakongos.
5-MBP/AVC: QUAL É À ANALISE QUE SE OFERECE FAZER SOBRE O NACIONALISMO CABINDÊS DESDE DA SUA GÉNESE ATÉ AOS NOSSOS DIAS?
PAJW: O nacionalismo cabindês inscreve-se num processo contínuo de afirmação, no qual o povo de Cabinda, desde os primórdios, tornou patente a sua vontade de assumir o seu próprio destino.
Foi assim que, desde a sua génese, Cabinda surgiu de reinos – Makongo, Mangoyo e Maloango – cujos fundadores tiveram como leitmotiv o desejo de se libertarem da dominação paternalista do Rei do Congo, seu tio. Esta defesa da liberdade motivou a assinatura dos tratados a que os portugueses foram forçados a submeter-se, antes de terem o direito de se fixar nos territórios, que pouco depois formaram a actual Cabinda. Com a ligação administrativa efectuada em 1955, vozes de protesto se fizeram ouvir, ganhando maior expressão em 1960, quando a AREC (Association des Ressortissants de l’Enclave du Cabinda) solicitou o fim do protectorado, para Cabinda ascender à independência. O surgimento dos três movimentos – MLEC, CAUNC e ALIAMA – criando a FLEC foi um outro momento marcante do nacionalismo cabindês. Sem precisar de mencionar as ações de luta, política e armada, levadas acabo por esta organização mítica do povo de Cabinda e que apadrinhou com sucesso o processo até atingir os momentos em que é conhecido hoje.
Como se pode ver, ao nacionalismo cabindês não tem faltado expressividade. O verdadeiro problema é mesmo o tipo de gente envolvida. A ver as dificuldades que os pais fundadores tiveram já desde início, é bem claro que não se podia esperar resultados melhores. Hoje em dia, com o crescer significativo da intelectualidade cabindesa, tenho a impressão que as dificuldades tornaram-se maiores. A falta de entendimento, a luta pelo protagonismo, a falta de seriedade e o espírito mercantilista de muitos dos seus ditos políticos e intelectuais, fazem com que o processo conheça maior descrédito, o que leva quase todos a virarem as costas às reclamações do povo de Cabinda. Com tais atitudes e caso não haja uma mudança significativa de consciência, o processo político de Cabinda está, infelizmente e mais uma vez, condenado a falhar, tal como aconteceu com os nossos pais. Esta é a minha apreciação.
NEGOCIAÇÕES PARA A PAZ EM CABINDA COM ANGOLA
Uma das grandes questões que se colocavam à resolução do Problema de Cabinda (para o governo angolano) era a não existência de um interlocutor válido entre os Cabindas. O Memorando assinado em 2006 com o FCD de António Bento Bembe mostrou-nos que afinal o dito interlocutor válido foi influenciado por Angola, basta olhar para o fracasso total do Acordo. Em 2019 Gana acolheu a reunião que instituiu o Alto Conselho de Cabinda (ACC) que segundo se cogita poderá liderar num futuro breve negociações para a resolução do Problema de Cabinda e, recentemente o Padre Raúl Tati revelou através de um artigo publicado no Jornal o Kwanza que o conclave do ACC em Acra foi organizado e financiado pelos Serviços de Inteligência Externa de Angola vulgo (SIE), o que é grave a ser verdade!
NESTE SENTIDO DE ACORDO OS FACTOS EXPOSTOS PELO PADRE RAÚL TATI NO JORNAL O KWANZA SOBRE O ACC:
6A-MBP/AVC: TERIA O ACC NUM FUTURO BREVE IDONEIDADE PARA LIDERAR NEGOCIAÇÕES DE UM ACORDO PARA A RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE CABINDA, COM O GOVERNO ANGOLANO, EM REPRESENTAÇÃO DO POVO DE CABINDA?
PAJW: Quanto às alegações do Padre Raúl Tati sobre o financiamento da reunião de Accra, só ele que pode trazer as evidências dessa afirmação de que o dinheiro veio mesmo do governo angolano. Os organizadores da inter-cabindesa do Accra só sabem que pediram ajuda à Organização Africana para o Desenvolvimento (OAD) que, em colaboração com muitos dos seus parceiros, angariou dinheiro para ajudar os cabindeses a se organizarem. De lá para cá, estes dados nunca se alteraram para nós, até prova em contrário.
A idoneidade do ACC, quanto ao processo em que se engajou, não é questionável. Mas devo aqui esclarecer que o ACC não tem a ambição – e se declara voluntariamente não estar capacitado – para negociar um processo de paz credível com o regime de Luanda, se as outras forças vivas de Cabinda não se associarem a esse processo. Por isso é que o lema do ACC continua e continuará a ser a busca de consenso para que os cabindeses entendam que uma só organização não terá, nem capacidade e muito menos credibilidade para resolver esta questão tão importante para o nosso povo.
6B-MBP/AVC: QUAL É ANALISE QUE SE DEVE FAZER DA ORGANIZAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DE ÁFRICA (OAD) NO QUADRO DA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA REGIÃO DA ÁFRICA OCIDENTAL EM PARTICULAR E EM ÁFRICA NO GERAL? POIS MUITOS CABINDAS SÃO DE OPINIÃO QUE ESSA ORGANIZAÇÃO ESTÁ MAIS PREOCUPADA COM DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO TERRITÓRIO DE CABINDA NO QUADRO DA ANGOLANIDADE E NÃO NO DIREITO DA AUTODETERMINAÇÃO DO SEU POVO.
PAJW: A OAD não é uma organização com vocação política, mas sim social e de desenvolvimento. Entretanto, não é preciso ser douto para entender a relação que existe entre o desenvolvimento, a prosperidade e a paz. Cabinda é o exemplo mais simples e claro que todos podem entender. Ciente deste princípio, a OAD costuma engajar-se politicamente lá onde o conflito político constitui um obstáculo para o desenvolvimento económico. Esta é a razão principal que explica o engajamento da OAD ao lado do ACC: ajudar a resolver o conflito político que opõe Cabinda ao governo de Angola para dar lugar ao desenvolvimento e ao bem-estar do povo de Cabinda.
6C-MBP/AVC: O PROBLEMA DE CABINDA NÃO É UMA NOVIDADE PARA À ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E BEM COMO PARA A UNIÃO AFRICANA (EX-OUA). POR QUÊ RAZÃO O GOVERNO ANGOLANO RECUSA-SE EM NEGOCIAR O PROBLEMA DE CABINDA SOB OS AUSPÍCIOS DAS ORGANIZAÇÕES SUPRACITADAS (SEGUNDO SE COGITA)? QUE PARA ALÉM DA IDONEIDADE SERIAM A VIA MAIS SEGURA PARA O POVO DE CABINDA, TAL COMO SUCEDEU COM A ERITREIA VS ETIÓPIA, SUDÃO DO SUL VS SUDÃO E TIMOR-LESTE VS INDONÉSIA.
PAJW: O motivo desta recusa, se é que recusa há, pois não conhecemos nenhuma ronda negocial em que a ONU e a U.A tenham sido impedidas de participar, só se pode explicar pela falta de seriedade por parte do governo angolano, e da sua veleidade de querer reduzir o problema de Cabinda a uma questão interna de Angola e da sua exclusiva competência. De sublinhar também é que, para implicar tais colossos num processo de resolução de conflito, é preciso primeiro levar tais organizações a aceitarem o seu envolvimento no caso. Até cá, pelo que sei, isso ainda não foi possível. Este é um dos esforços que o ACC tem estado a levar a cabo nos seus envolvimentos diplomáticos. Mas sabe-se também que esta possibilidade só será plausível, se os políticos cabindeses mostrarem uma certa serenidade no trabalho que alegam levar a cabo.
6D-MBP/AVC: SERÁ QUE O ALTO CONSELHO DE CABINDA-ACC NÃO SERÁ FUTURAMENTE UM NOVO FÓRUM CABINDÊS PARA O DIALOGO -FCD? TENDO EM CONTA AS REVELAÇÕES DO PADRE RAÚL TATI SOBRE A REUNIÃO INTER-CABINDESA DO GANA (NO JORNAL O KWANZA), POIS NEM SE QUER A OADA E NEM TÃO POUCO O ACC, REAGIRAM AS ACUSAÇÕES DO PADRE RAÚL TATI.
PAJW: Voltando às alegações do padre Raul Tati, penso que um ano depois da instituição do ACC, o tempo já pode provar a sua veracidade ou falsidade. Quem trabalha sob a bênção do governo de Angola tem condições de trabalho. O ACC vive das contribuições dos seus membros, o que faz dele uma estrutura que experimenta as mesmíssimas dificuldades que a grande maioria das organizações que lutam honestamente para Cabinda têm passado.
Agora, dizer que o ACC pode vir a ser um outro FCD, a resposta é categoricamente não. A ideia de negociar um acordo de paz com o governo não foi de todo má. Mas as pessoas envolvidas é que não tiveram discernimento. O obejctivo de uma negociação é, sim, de encontrar um acordo que satisfaça as partes envolvidas. Mas o facto de se encontrar para negociar não deve ser considerado com o ”alfa” e o ”ómega” do processo. Uma ronda negocial pode ter várias sessões negociais, demorar vários dias/meses de negociações e pode conhecer adiamento ou suspensão, ou mesmo o fracasso total, caso as partes não se entendam. Não se vai nunca a negociações para impor a sua posição ou aceitar a posição de A ou B. Negociar é buscar consenso entre as partes, para alcançar uma solução onde o ”win win situation” é o único resultado positivo para as partes. Se não é isso, volta-se para a casa para continuar a luta.
7-MBP/AVC: NO QUADRO DA RESOLUÇÃO DO “PROBLEMA DE CABINDA”, VÁRIOS SÃO OS MECANISMOS APONTADOS. NESTA SENDA, ENTRE O ESTATUTO ESPECIAL, AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA TOTAL! QUAL É O MECANISMO QUE O ALTO CONSELHO DE CABINDA (ACC) DEFENDE E POR QUÊ?
PAJW: Sem rodeios, o Alto Conselho de Cabinda defende o direito à Autodeterminação do Povo de Cabinda. Tal como a própria palavra o diz, autodeterminação, para um povo, significa a livre escolha do próprio destino. Desde os primórdios, o povo de Cabinda sempre lutou para preservar a sua liberdade. Hoje, Cabinda perdeu essa liberdade pelas condições a que está submetida desde os ditos acordos de Alvor até hoje. A luta que leva hoje é para rebuscar essa liberdade que lhe foi roubada. Pelo que, até que o povo de Cabinda, através dos seus representantes, se pronuncie a favor do estatuto especial, da autonomia ou da independência, Cabinda e o seu povo não recuperarão a sua liberdade. A luta do ACC consiste, exactamente, em criar as condições necessárias para que o povo de Cabinda decida pela solução que julgar possível à luz da conjuntura política do momento.
8-MBP/AVC: COGITA-SE NOS CORREDORES “POLÍTICOS CABINDENSES” ESTAR NA FORJA UM NOVO ACORDO PARA PAZ NO TERRITÓRIO DE CABINDA COM O GOVERNO ANGOLANO PARA A RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE CABINDA. QUAIS SÃO AS GARANTIAS E CERTEZAS QUE LEVAM O ACC À ACREDITAR QUE AS AUTORIDADES ANGOLANAS (MPLA) CUMPRIRIAM COM O QUE VIER A SER ACORDADO (TENDO EM CONTA AS VICISSITUDES DO ACORDO DE 2006)?
PAJW: O Alto Conselho de Cabinda, juntamente com todas as organizações que aceitarão se envolver nas futuras negociações, não irá nunca aceitar uma solução sem garantias de implementação. E será muito simples para alcançar esse aspecto. Primeiro é que as futuras negociações serão acompanhadas por observadores. Em seguida, o início da implementação dos acordos será condicionado pela instalação das instituições locais acordadas durante as negociações. É a concretização da instalação das instituições locais que vai dar luz verde aos quadros da diáspora a entrarem para ocupar os cargos que lhes serão atribuídos pela comissão conjunta de transição. É só daí que a resistência de Cabinda será desactivada para passar à fase de reconstruir Cabinda, criar o desenvolvimento e garantir uma vida mais humana aos habitantes deste território.
9-MBP/AVC: QUAIS FORAM OS PRINCIPAIS MOTIVOS DA EXONERAÇÃO DE FÉLIX KUBOLA, EX-PRESIDENTE DO ACC (ELEITO POR UNANIMIDADE) E DA RETIRADA DA ORGANIZAÇÃO DO FCC DE BELCHIOR LANZI TATI?
PAJW: O padre Félix Roberto Cubola, primeiro presidente do ACC, não foi exonerado. Ele demitiu-se por razões pessoais e o Conselho, na altura, aceitou a sua demissão. Quanto à FCC, devo dizer que houve um entendimento diferenciado da natureza da organização criada no Gana. Esse desentendimento levou a certas clivagens entre a direção central do ACC e o dirigente da FCC, que também desempenhava funções na estrutura central da organização, entretanto suspensas com a saída do presidente, e tudo isso levou ao descontentamento que motivou essa retirada. De realçar que a retirada da FCC nunca foi total, dado que alguns quadros importantes desta organização continuam a ocupar funções relevantes na estrutura do ACC, sem nunca terem sido exonerados dos cargos que ocupam na FCC.
10 -MBP/AVC: QUAL É O PRINCIPAL ENTREVA QUE IMPEDE À NÃO UNIÃO ENTRE AS FORÇAS POLÍTICAS OU MILITARES DE CABINDA?
PAJW: É a falta de seriedade ou ingenuidade política que leva a uma ambição desmedida de protagonismo político, cada um querendo ser o primeiro, senão o único Messias de Cabinda. Esta postura obceca toda a objectividade de trabalho, toda a sensibilidade humana e toda a empatia que se deveria ter por um povo que tanto sofre, dum lado, pelo jugo de dominação e opressão que lhe é imposto, e doutro lado, pela ligeireza com que os ditos políticos de Cabinda encaram a situação.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para deixar um apelo aos políticos de Cabinda: Cabinda tem espaço para todos. Cabinda será dirigido por dirigentes eleitos pelo povo, seu soberano primário, e nunca por quem tem ambição de se colocar no poder por mão própria. Durante o tempo que já passámos na luta, temos estado numa escola de democracia, e quem ama este povo, deve estar preparado a participar no jogo democrático, pois a outra via só iria trazer mais sofrimento ao povo que pretendemos emancipar.
11-MBP/AVC: E COMO É QUE SE PODE RESOLVER O VELHO DILEMA DO PROTAGONISMO E EGOCENTRISMO NO SEIO DAS SUAS LIDERANÇAS?
PAJW: É levando os políticos de Cabinda a entenderem o que mais importa. O que mais importa não pode ser o ”EU”. Quem luta para o próprio ”eu” deve deixar de usar o povo como justificação, pois isto é fazer o povo refém de pretensiosos benefícios pessoais. Quem quer ser líder, deve pôr o povo e o seu sofrimento no centro das suas preocupações. A ser assim, não precisa de combater as iniciativas dos outros, nem deve ser hostil à ideia de colaborar para unificar os esforços que podem levar a uma solução certa, capaz de tirar mais rapidamente o povo do sofrimento em que está mergulhado há mais de quatro décadas.
12A-MBP/AVC: O CONCLAVE DO ACC NO GANA DE 2019 QUE PODERIA TER TIDO LUGAR EM LISBOA-PORTUGAL, PROVOCOU DESENTENDIMENTOS LOGO NA SUA FASE PREPARATÓRIA ENTRE ALGUNS REPRESENTANTES DE FORÇAS POLÍTICAS E CÍVICAS DE CABINDA, O QUE LEVOU A NÃO PARTICIPAÇÃO DESSAS ORGANIZAÇÕES NA REUNIÃO INTER-CABINDESA DE ACCRA.
COMO CARACTERIZA AS ACUSAÇÕES DO FÓRUM LIBERAL CONTRA OS MENTORES DO PREJECTO DO ALTO CONSELHO DE CABINDA (ACC) AINDA NA FASE EMBRIONÁRIA?
PAJW: Foi precisamente no dia 31 de dezembro de 2018 que o Sr. Martinho Lubango levantou a tempestade no seio do grupo que reflectia sobre a organização do encontro de Accra. Tudo começou por um documento/estatuto elaborado pelo Sr. Fidel Casimiro, onde apresentou, sob a forma de uma proposta, a ideia que tinha em relação ao tipo de estrutura em direcção para o qual o Grupo de Reflexão deveria evoluir.
Nós todos lemos o texto, mas devo dizer que quando cinco pessoas lêem um determinado texto, pode se esperar também cinco diferentes interpretações. A Bíblia é um exemplo concreto da disparidade de interpretações. Há quem descobre na Bíblia a mensagem de amor incondicional e infinitivo de Deus e a sua graça abundante para com os homens. No entanto, há quem só vê nos mesmos textos a ira e a vingança de Deus, bem como o subsequente julgamento e a condenação do homem.
O Sr. Martinho queria que eu visse o mesmo que ele viu no texto do Sr. Fidel, posição com que eu não concordei. Foi assim que, tendo já preconceitos sobre as pessoas do Fidel e Massanga, juntou-me a esses dois nomes, tornando-nos alvos dos seus ataques ultrajantes, como puderam ler.
Há três aspectos que gostaria de sublinhar sobre este assunto: a) O sr. Martinho Lubango não participou no grupo que reflectia sobre uma possível inter-cabindesa como representante de uma organização. Para vossa informação, eu só tive conhecimento da existência de algum Fórum Liberal para Emancipação de Cabinda (FLEC) muito depois de Accra. Qual foi a razão de não revelar este aspecto tão importante? b) Disse ao sr. Martinho que o facto de repetir uma mentira centenas de vezes, não torna a mesma uma verdade. c) O facto de não gostar de certas pessoas e/ou de certo projecto não significa que o que fazem não venha a ter sucesso. Accra se concretizou, pese o esforço de muitos de quererem destruir a iniciativa.
Conclusão, o sr. Martinho deveria ter a coragem de vir a público e pedir desculpas sobre tudo o que disse sobre o Fidel, Massanga e eu próprio, porque um ano depois de Accra, não encontrou evidências que confirmam aquilo que afirmava ser a verdade verdadeira, de que as pessoas deveriam apenas dizer ”amém”.
12B-MBP/AVC: NO QUADRO DO PROCESSO DE REORGANIZAÇÃO DO ACC O PASTOR WACO REFORÇOU A IDEIA DE QUE “O OBJETIVO DO ENCONTRO (DO GANA) FOI REUNIR AS FORÇAS CABINDESAS EM UMA NOVA ORGANIZAÇÃO REPRESENTATIVA E CONSULTIVA DE MODO A HARMONIZAR E ESTRUTURAR AS PRINCIPAIS DEMANDAS DAS DIVERSAS SENSIBILIDADES POLÍTICAS E MILITARES, EM COESÃO E CONSENSO”.
SERÁ QUE ESSE OBJECTIVO FOI ALCANÇANDO? TENDO EM CONTA A RECUSA DA PARTICIPAÇÃO DE ALGUMAS FORÇAS VIVAS DE CABINDA (POLÍTICO-MILITARES E CÍVICAS) QUER DA DIÁSPORA E DO INTERIOR QUE SE BATEM PARA A RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE CABINDA OU É UM DOS PRINCIPAIS OBJECTIVOS DO AAC DEPOIS DOS ERROS DE ACCRA ANTES DE UMA POSSÍVEL NEGOCIAÇÃO COM O GOVERNO ANGOLANO!
PAJW: Não é segredo para ninguém que, com a recusa de certas organizações em tomarem parte no encontro do Gana, o objectivo principal preconizado, que era a construção da união de forças entre os actores políticos cabindeses, falhou. No entanto, as organizações que se fizeram presentes se constituíram num Alto Conselho de Cabinda e continuam assim a trabalhar nesta unidade estrutural. Para as demais organizações que ficaram de fora, o ACC continua a trabalhar no sentido de perfazer essa unidade estrutural, ou seja simplesmente colaborar com cada uma delas numa unidade de acção. Desta feita, o ACC não se presume ser uma estrutura representativa do povo de Cabinda, nem consensual das organizações que lutam por Cabinda, mas sim, uma estrutura consultiva por continuar com a sua agenda política, que é a de criar condições para negociar uma solução pacífica para o conflito político-militar que perdura em Cabinda, dum lado; e por manter o esforço de convergir as forças vivas de Cabinda no âmbito desse processo, por outro lado.
13-MBP/AVC: SE POR VENTURA O ACC NÃO CONSEGUIR AGREGAR TODAS AS FORÇAS VIVAS DE CABINDA (POLÍTICO-MILITARES E CÍVICAS) QUER DA DIÁSPORA E DO INTERIOR QUE SE BATEM PARA A RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DE CABINDA. SERÁ QUE O ALTO CONSELHO DE CABINDA (ACC) EMBARCARIA DE FORMA UNILATERAL NUM PROCESSO NEGOCIAL COM O GOVERNO ANGOLANO?
PAJW: Não é o que julgamos ser eficaz como forma de agir. Haverá maiores dificuldades, caso isso aconteça. Não é por falta de competências. Mas, estrategicamente, será um erro. Por isso mesmo é que estamos a criar condições para que, quando o momento chegar, ninguém seja capaz de voltar a boicotar tal oportunidade.
14A-MBP/AVC: SÃO REAIS, RECORRENTES E CONSTANTES ÀS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS AOS REFUGIADOS DE CABINDA NOS CONGOS POR PARTE DAS FORÇAS DE DEFESA E SEGURANÇA DO GOVERNO ANGOLANO!
JURIDICAMENTE FALANDO!
QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS DESSAS VIOLAÇÕES NO ÂMBITO DO DIREITO INTERNACIONAL?
PAJW: As consequências imediatas são o manchar da imagem de Angola. Cada violação que se comete contra um cabindês fora ou dentro de Cabinda é apenas uma confirmação de que Angola não está para o bem de Cabinda e do seu povo. É uma confirmação, não de uma nação única, como pretendem fazer passar, mas de um território sob ocupação, cujos habitantes devem ser tratados como tal. Tal atitude continua e continuará a dar razão aos cabindeses de rejeitarem o estatuto de angolano que se lhes impôs. É uma pouca vergonha que os dirigentes angolanos não consigam ter qualquer discernimento sobre essa situação de facto.
14B-MBP/AVC: QUAIS SÃO OS MECANISMOS LEGAIS À NÍVEL INTERNACIONAL QUE OS CABINDAS “PRINCIPALMENTE AS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS E CIVIS” SE DEVEM RECORRER PARA PODER RESPONSABILIZAR O ESTADO ANGOLANO À NÍVEL INTERNO E INTERNACIONAL POR ESTAS VIOLAÇÕES? QUE CONFIGURAM GRAVES VIOLAÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO!
PAJW: Mais cedo ou mais tarde, Angola será responsabilizada perante as instâncias internacionais por essas violações contra as populações de Cabinda, tanto dentro como fora do território. As organizações políticas de Cabinda andam muito atentas a esses fenómenos e diligências têm sido feitas para responsabilizar Angola e os seus dirigentes perante uma instituição jurídica habilitada.
15-MBP/AVC: COMO SABE TRÊS MEMBROS DA UCI CONTINUAM PRESOS HÁ MAIS DE TRÊS MESES EM CABINDA. QUAL É O APELO QUE DEIXA ÀS AUTORIDADES LOCAIS SOBRE AS PRISÕES ARBITRÁRIAS NO TERRITÓRIO?
PAJW: É tal como disse na alínea a) do ponto anterior. Cada crime institucional cometido em Cabinda mancha, sobremaneira, o regime de Luanda, em relação à sua política em Cabinda. Se Cabinda é Angola, como dizem, Angola deve cessar de imediato de tratar os filhos de Cabinda como enteados, como súbditos. Doutra forma, as consequências são aquelas que temos estado a assistir, isto é, a radicalização de certos meios juvenis, o que, com o tempo, pode vir a se transformar num sério problema de segurança para todos. O meu conselho às autoridades angolanas é que ninguém deve ser preso por ter opinião contrária ou por usar a sua liberdade de expressão. As regras democráticas devem vigorar no país como em qualquer outro estado de direito. Acaso não é assim que Angola se identifica na sua própria constituição?
16-MBP/AVC: A VIZINHAM-SE À REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS EM ANGOLA, APESAR DO RECENTE ADIAMENTO! QUAL É O POSICIONAMENTO DO ALTO CONSELHO DE CABINDA (ACC) COM RELAÇÃO À REALIZAÇÃO DAS MESMAS NO TERRITÓRIO DE CABINDA?
PAJW: O Alto Conselho de Cabinda considera que a realização de eleições autárquicas em Cabinda constitui mais uma diversão e uma manobra de, mais uma vez, adiar a verdadeira solução que o seu povo deseja. Vamos ser claros e sinceros: São passados 45 anos que Angola tem colocado soluções angolanas aos problemas da população de Cabinda. Alguma coisa melhorou? Não. Cabinda já não precisa de placebos. E as autarquias vão ser mais um. Cabinda precisa de uma verdadeira solução que engloba a política, a economia e o social.
O Alto Conselho de Cabinda, juntamente com as demais forças políticas de Cabinda, exige que as liberdades fundamentais, o desenvolvimento económico e a situação social das populações de Cabinda sejam garantidos por filhos da terra, organizados em estruturas locais próprias. Isso, sim, vai trazer mudanças significativas no território e na vida das suas populações.
17-MBP/AVC: QUAIS SERIAM AS VOSSAS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÓMICO E POLÍTICO DO TERRITÓRIO DE CABINDA?
PAJW: Primeiro é conseguir um acordo que institucionalize estruturas locais próprias. Depois é que vamos aplicar os modelos sociais, económicos e políticos que temos já elaborados no nosso plano de acção. Uma coisa posso, porém, garantir: quando esse momento chegar, Cabinda já não será o mesmo que é hoje.
18 -MBP/AVC: AS VOSSAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.
PAJW: Pondo de parte a pandemia da covid19 que hoje constitui uma ameaça séria ao processo de globalização em vigor há umas décadas, a integração regional e o panafricanismo fazem parte das nossas reflexões políticas. É verdade que qualquer associação só é igualitária caso ela for feita por partes iguais. Cada associado deve entrar na união com a sua plena personalidade. Tal já não aconteceu com Cabinda por não se lhe ter permitido escolher com plena liberdade o seu próprio destino. As negociações francas com o governo de Angola vão ser, para o povo de Cabinda, o momento de pronunciamento pelo destino que doravante vai ser o seu. Tanto Angola como Cabinda devem ver as próximas negociações como uma oportunidade de enterrar o machado de guerra e augurar uma nova era de relações de mútua aceitação.
Edição de Texto: Baveka Mayala, “Chefe de Redacção”.
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