CARTA ABERTA AOS ANGOLANOS DE ZAIRE AO CUNENE POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO DO 45º ANIVERSÁRIO DA SUA INDEPENDÊNCIA
Saúde e paz à todos que se dignarem ler esta Carta.
Sou filho das Terras de Makongo, Mangoyo e Maloango ou, simplesmente, de CABINDA. Dirijo-me aos irmãos angolanos, quando faltam, apenas, 2 dias para a comemoração da vossa liberdade, da independência do vosso país, Angola. Estais preparados para renovardes o sentimento que tivestes quando vos livrastes do jugo colonial. Um sentimento ímpar acho, pois, infelizmente, eu e o meu povo nunca antes o tínhamos experimentado.
Apesar do momento difícil que vivemos todos, no dia 11 de Novembro haveis de esquecer as malambas da vida, como dizeis nas vossas bandas, para se unirem em torno da vossa bandeira, da vossa soberania e festejardes, cada um à sua maneira. Se não houvesse restrições, seria um festejo de arromba, pois para este caso, o dinheiro sempre apareceria, até tiveram o luxo de compor um hino que custou milhões.
Pois é, meus senhores, seria muito justo procederdes assim, porque a liberdade é algo bastante valioso, se não privassem o povo irmão de Cabinda de também experimentar e viver este sentimento. Vós continuais festejando a vossa liberdade mas relegando o povo de Cabinda à dor e ao luto. Riem-se de nós, os miseráveis, os sem pátria, porque sois poderosos, tendes dinheiro e armas suficientes para manterdes escravo o povo de Cabinda.
Na minha terra diz-se que a comida só é mais saborosa quando partilhada com o vizinho. Como podeis vos alegrar e festejar vossa liberdade, quando cativais, na sua própria terra, os cabindas? Será que todos sois tão insensíveis assim? Até quando continuareis calados perante as atrocidades que o regime que governa o vosso país inflige aos cabindas? Quando tendes problemas na vossa terra, nas vossas cidades, muitos de nós, mesmo não nos sentindo angolanos, nos solidarizamos e manifestamos o nosso descontentamento e repúdio. Mas quando é que um angolano se solidarizou com os problemas candentes que os cabindas vivem? Salvo o caso de Sedrik de Carvalho e Orlando Castro que escrevem e se pronunciam à favor dos cabindas, não se conhece mais nenhum angolano, de gema, que se importa com o nosso sofrimento, até os que partilham connosco o território.
Sabeis que, quem motivou a descolonização do vosso país e dos outros países lusófonos não foram as guerrilhas, mas sim a pressão das mães portuguesas que estavam cansadas em ver os seus filhos partirem para nunca mais voltarem? E vós mães angolanas, os vossos filhos que morrem ingloriamente nas matas do Mayombe não vos fazem falta? Eles morrem, não para defender a soberania do vosso país, mas sim dos caprichos da elite que vos governa.
Não há quem, da sociedade civil, que possa influenciar o regime político a tratar os cabindas como gente? Para vocês, o petróleo vale muito mais que a vida de milhares de cabindas?
Tenho a máxima certeza que vão chover, nesta publicação, comentários como este que alguém um dia fez numa das minhas publicações: “Cabinda é Angola e ponto final”. Vocês têm tanta certeza assim que Cabinda é Angola? Vocês já vasculharam no fundo do baú da história para saberem o porquê da nossa luta? Para o vosso conhecimento, Cabinda à exemplo de Angola, figurava no mapa de países africanos para a descolonização, Angola como 35º Estado e Cabinda na posição 39º. Infelizmente, para além de Angola, muitos países ambicionavam anexar Cabinda, como é o caso do então Zaire.
Por esta razão, e porque o Movimento que lutava para a libertação do território estava aliado àquele país, a questão de independência de Cabinda foi retirada da agenda da cimeira da então OUA para a descolonização, por influência do presidente Marien Ngouabi do Congo Brazaville. Daí para cá, Angola tem gastado fortunas para que a questão de Cabinda não volte ao debate nas instituições internacionais. Para além de fazer calar a comunidade internacional, vai amordaçando todos que no território levantam vozes para se repor a verdade. Os vendíveis, recebem dinheiro e se calam e os não vendíveis são sacrificados com envenenamentos e balas e vós continuais calados como que nada estivesse a acontecer.
Infelizmente, nas vossas bibliotecas, não encontrareis trabalhos que vos possam abrir os olhos, porque o regime não permite. Vocês só sabem aquilo que o MPLA quer que saibam, até a história do vosso país vocês não conhecem. Quem quiser conhecer a verdade sobre Cabinda, esforce-se e busque o conhecimento completo para não continuar a ser arrastado pelas mentiras do MPLA.
Não vou ser mar, como dizemos no nosso ibinda, para ir prosseguindo, termino aqui, e espero que os angolanos de bom senso apareçam e ajudem os cabindas a conquistarem a sua liberdade. Termino e, mais uma vez, preparado para as consequências que esta publicação possa ocasionar.
Ao meu povo sacrificado, mais uma vez, peço que nos apresentemos de preto no dia que os angolanos festejarem a sua independência.
Cabinda, terra martirizada, aos 09 de Novembro de 2020.
Atentamente
José António de Carvalho
Foto: Cortesia